Por Débora Farinati, psicóloga do Fertilitat
A enchente que devastou o Rio Grande do Sul tem ocupado significativo espaço no noticiário e em maior ou menor grau na vida cotidiana de todo gaúcho, sendo o centro das rodas de conversa entre amigos e familiares. Os estragos têm outros impactos e não se limitam aos danos materiais e à desolação das paisagens urbanas. Há repercussões profundas em outras esferas igualmente significativas da vida, como as dimensões social e emocional, cujos efeitos reverberam em cada cidadão.
Além da tragédia em si, as consequências emocionais e psicossociais são igualmente dramáticas. O aumento dos níveis de angústia afeta o bem-estar coletivo, gerando um impacto que se estende a grupos específicos da sociedade, incluindo aqueles que enfrentam o doloroso adiamento de planos pessoais e delicados, como a busca pela maternidade e paternidade.
Estamos vivendo uma sucessão de dias intermináveis. A tragédia não apenas abala a estrutura física das comunidades, mas também as bases emocionais, gerando um clima de tristeza, temor e insegurança, que persistirá por um período considerável. A perda do lar, símbolo de conforto e estabilidade, desencadeia uma série de sentimentos como a angústia e o medo em relação ao futuro. Essas manifestações estão presentes de certa forma em todos nós. Para aqueles envolvidos em tratamentos de fertilidade, os quais já têm sua vida permeada pela ansiedade e pela incerteza, a situação se torna ainda mais desafiadora. A sobreposição de preocupações, a sensação de falta de controle e a insegurança em relação ao desfecho dos tratamentos exacerbam os sentimentos.
Junho é o mês que marca a conscientização da dor provocada pela infertilidade — e alerta para a necessidade de colocarmos luz sobre o que se passa na vida de quem está vivendo a árdua jornada em busca da realização do desejo de serem pais. Pessoas que se encontram em meio a tratamentos para engravidar enfrentam uma montanha-russa emocional, onde cada adiamento ou interrupção traz consigo uma nova onda de dúvidas e questionamentos. Eventos traumáticos, como a pandemia e a enchente, intensificam essa sensação de insegurança e instabilidade. A incerteza em relação ao retorno à normalidade, ao funcionamento das clínicas de fertilidade e à logística de deslocamento adiciona mais uma camada de preocupação e tensão.
Para as pessoas que desejam filhos, as crianças representam uma conexão com o futuro. É a vida se renovando, como uma abertura frente ao novo. Ter esse sonho interrogado provoca uma sensação de que a vida está estagnada e o tempo apenas marca o vazio do desejo não realizado. Essa dor se incrementa com tudo o que se está vivendo em nosso Estado.
Eventos traumáticos são comparáveis a uma inundação emocional, quando o psiquismo é sobrecarregado por uma quantidade intensa de angústia, equiparada a uma verdadeira enxurrada, tornando difícil o processo de “drenagem” e a retomada da capacidade de pensar e tomar decisões. Nesse contexto, o suporte emocional torna-se vital. Um espaço seguro de escuta propicia que, ao compartilhar sentimentos, palavras possam ser encontradas e, dessa forma, o acontecimento passa a ser significado.
O apoio emocional e psicológico oferecido nessas circunstâncias é fundamental para ajudar as pessoas a navegarem pelas águas turbulentas das adversidades e encontrar uma rota para a recuperação e o renovar da esperança. Abordagens terapêuticas, como a psicanálise e a psicoterapia, desempenham um papel crucial, atuando como as “bombas de drenagem” que gradualmente permitem que a angústia seja liberada, possibilitando, em seguida, a reconstrução e a retomada dos projetos de vida.
Falar sobre o impacto emocional da infertilidade adquire novos contornos nesse momento. O mês de conscientização da infertilidade oferece um espaço adicional de apoio e solidariedade para aqueles que estão passando por tratamentos de fertilidade. Vivemos um momento desafiador, que ressalta ainda mais a importância de criar uma comunidade empática e solidária, onde o suporte mútuo e a compaixão possam ajudar a aliviar o fardo emocional dessas jornadas tão complexas.
Publicado no jornal Zero Hora em 8 de junho de 2024
LEIA